terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Setor imobiliário passará por forte concentração, avalia empresário

Em entrevis ao jornal Folha de São Paulo, o presidente e sócio-fundador da incorporadora e imobiliária Abyara, Celso Minoru Tokuda, 51, diz acreditar que o setor passará por forte concentração nos próximos anos, a ponto de só a metade das atuais vinte construtoras listadas na Bovespa restar. O movimento, contudo, não deve ser liderado por incorporadoras, mas sim por bancos, que formariam pools de incorporadoras hoje em crise.

A própria Abyara está cotada para participar desse processo. Tokuda não nega a possibilidade de venda como forma “adquirir musculatura” e crescer.
Renato Essenfelder.

Leia a seguir trechos da entrevista com Celso Minoru Tokuda, que recebeu a folha de São Paulo três horas em seu escritório na capital paulista – segundo ele, em seu primeiro relato detalhado à imprensa.

FOLHA – O setor viveu um boom de crescimento nos últimos anos e agora enfrenta uma grave crise. Como o senhor acompanhou esse processo?
CELSO MINORU TOKUDA – O Brasil não viveu plenamente o ciclo virtuoso do mercado imobiliário como muito outros países: México, Espanha, Chile. Nós efetivamente não vivemos essa euforia. O que vivemos foi que saímos de uma base de comparação muito pequena, de um mercado muito restrito ao eixo Rio-São Paulo, com o restante do praticamente inexplorado.
Então esse movimento de crescimento foi brusco, e os insumos e os insumos e a questão logística não estando prontos para ele.

FOLHA – Mas as empresas tiveram forte valorização na Bolsa em 2007.
TOKUDA – [A alta foi] extraordinária, muito em razão da abertura de capital, dos IPOs. As empresas formaram “landbanks” [banco de terrenos] e buscaram negócios, preparam-se para lançar esses empreendimentos.

FOLHA – Diante da crise, o governo brasileiro deveria socorrer as empresas do setor?
TOKUDA – A contribuição do governo é estabelecer uma política habitacional e convidar os atores desse processo para um grande debate.

FOLHA – Mas não prestar auxílio financeiro direto às empresas?
TOKUDA – Nesse sentido, não. Enquanto não houver esse grande planejamento de política habitacional, os bancos estão certos [em apartar o credito].

FOLHA – Que medidas a Abyara tomou para aumentar sua liquidez?
TOKUDA – Um processo de “downsinzing”, com redução de 40% da folha de pagamento. Como medidas administrativas, fechamos escritórios na Bahia, no Rio e em Porto Alegre. Houve contenção de gasto e reprogramação de lançamentos.

FOLHA – Quantos lançamentos foram suspensos?
TOKUDA – Mais ou menos R$ 1,1 bilhão, o que equivaleria a uns 20 lançamentos.

FOLHA – Houve também a venda de parte da corretora Abyara...
TOKUDA – Nós vendemos 51% da corretora [por R$250 milhões à BR Brokers]. Queremos focar na incorporadora.

FOLHA – Qual era, em Janeiro, a projeção de lançamentos no ano?
TOKUDA – Era de R$ 2,2 bilhões de VGV [valor geral de vendas] lançado. Mas nós não lançamos em razão do mercado e de um planejamento adequado. No primeiro semestre [suspendemos] em razão do alto custo em construção. Mais recentemente, pela menor demanda e por uma questão de “cashflow” [fluxo de caixa]

FOLHA – Quais são os planos pra 2009?
TOKUDA - Para avaliar 2009, é muito cedo. Teremos uma leitura mais clara a partir do segundo trimestre do ano. Mas operacionalmente a companhia foi muito bem. No ano passado, lançamos R$ 1,159 bilhão, tivemos R$ 1,350 bilhão de recebíveis, fizemos com que a imobiliária apresentasse crescimento de 80% em 2007.

FOLHA – E onde está o gargalo?
TOKUDA – A operação é de sucesso, mas houve um descasamento muito grande no “cashflow”.
Todos Criticaram a agressividade da nossa empresa, mas essa agressividade fez com que nós saíssemos de 8 [valor da ação março de 2007, após um desdobramento] e fossemos a R$ 37. O “landbank” somava 10 bilhões no ano passado. O que deveríamos ter feito era um movimento de “follow one” [nossa emissão de ações]. Não fizemos. Em novembro ensaiamos um “follow one” quando a nossa companhia ainda não estava a R$23 [a ação]. Poderíamos ter vendido a imobiliária em 2007, era um ativo muito interessante. Com a venda da imobiliária mais o “follow one”, teríamos caixa.

FOLHA – Em que momento começaram as dificuldades?
TOKUDA – No começo do ano, quando os mercados se fecharam. Tanto é que a grande parte da nossa divida é fruto de um empréstimo voltado para o “follow one”, ficamos com a divida. Era um movimento fundamental para a com a companhia. Nós não fizemos.

FOLHA – Por quê?
TOKUDA – Porque não houve consenso entre os sócios.

FOLHA – O senhor se questiona se a Abyara foi agressiva demais?
TOKUDA – A agressividade foi necessária na medida em que fizemos um IPO com captação muito baixa [R$ 123 milhões]. Os bancos de investimento nos disseram que nós seríamos a quarta companhia do setor a fazer IPO e que não haveria mais espaço. Na seqüência, houve 20 empresas fazendo IPOs...
Além disso, nosso modelo estava muito voltado às parcerias. Recebíamos de 10% a 30% dos projetos em troca do trabalho de inteligência mercadológica que prestávamos. Na medida em que as incorporadoras foram incentivadas a formar “landbank”, o preço dos terrenos, principalmente no eixo Rio-SP, passou a patamares proibitivos. Fomos buscar bons negócios em outras praças. Encontramos mercados desassistidos. A agressividade foi necessária naquele momento. Saímos de um modelo híbrido de imobiliária e incorporadora. Esse modelo se mostrou viável nesses primeiros seis meses, depois do IPO dessas incorporadoras todas, não.

FOLHA – De que maneira os outros IPOs afetaram a Abyara?
TOKUDA – Nós não conseguíamos mais a participação de até 30% nos empreendimentos, porque o apetite por negócios nessas incorporadoras cresceu muito, e elas estavam adquirindo terrenos a preços proibitivos para alcançar um bom IPO.
As incorporadoras passaram a dificultar a nossa participação – não conseguíamos entrar em alguns projetos, em outros não acreditávamos por causa do insumo proibitivo, que geraria preço final de venda muito perigoso. Boa parte desses projetos será lançado agora.

FOLHA – E o que vai acontecer?
TOKUDA – O preço será mais alto. Há risco de os preços não serem mais compatíveis com a realidade de renda dos clientes.

FOLHA – O setor imobiliário ficará mais concentrado após a crise?
TOKUDA – No âmbito das empresas listadas, nós teremos um processo de consolidação após a crise?

FOLHA – Em 2010 ou 2011, quantas das vinte empresas hoje listadas existirão na Bolsa?
TOKUDA – Teremos um movimento razoável de consolidação. Talvez 10 ou 12 companhias [restem]; empresas cotadas abaixo do valor patrimonial são candidatas à consolidação.

FOLHA – A Abyara está a venda?
TOKUDA – Todas as empresas listadas do setor estão se conversando, buscando musculatura para fazer frente a esse cenário de interregno que é o ano de 2009 e estarem preparadas para esse ciclo virtuoso de crescimento a partir de 2010 e 2011. Estamos abertos a conversas.

FOLHA – Incorporadoras maiores, como Cyrela e Gafisa, são candidatas a ir às compras?
TOKUDA – Acho que as grandes incorporadoras tem outras preocupações hoje. Acredito que esse movimento de consolidação deve seguir um modelo que fuja do clássico. Talvez um “player” com perfil financeiro venha formar uma plataforma reunindo vários incorporadoras, pequenas e médias.

FOLHA – Caiu a demanda por lançamentos?
TOKUDA – Neste momento, sim. O mercado de lançamentos está muito receoso.

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